terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O JOGO KARATE ...

O JOGO KARATÊ: A PRÁTICA DO BOM COMBATE, DESDE CEDO
         O Karatê, definido como fenômeno automaticamente organizado, é uma atividade do século XX, embora o seu processo de gênese remonta sua história há muitos séculos atrás. Tal como em alguns outros desportes de combate ou “artes marciais”, existe ainda um certo discurso que pretende antagonizar a perspectiva imposta pelo jogo desportivo com a dada pela prática marcial destas disciplinas.
            Interessa-nos sim, perceber a estrutura do jogo de combate do Karatê. Mas, antes disso, é preciso esclarecer o fenômeno competitivo com algumas observações.


            Competição

            As competições apontam uma despromoção da modalidade. Na atualidade desportiva do Karatê só cerca de 5% dos karatecas, participam em competições institucionalizadas. Temos neste fenômeno desportivo mais competidores assentados do que expectadores.
            A prática individual em jogo é posta em causa por atirar para as bancadas, por outro lado, a competição e as regras desportivas, parecem não ser o suporte que motiva a maioria dos praticantes atualmente.
            Antes de tudo, o karatê Infantil, deve ser encarado como uma atividade lúdica, cujo fim se orienta para o prazer. A repetição da atividade em função do prazer advém, como vimos da vitória. Esta é entendida como atividade bem-sucedida na repetição que gera o prazer lúdico e, como veremos mais à frente, pode ultrapassar o simples ganhar formal do combate competitivo e se expandir à atividade em geral.
            Existe sempre a competição nessas faixas etárias, mesmo sem a orientação do adulto, já que o caráter agonístico é também inerente à ação lúdica, mesmo à infantil, e sendo a expressão da procura da novidade, e necessário reconhecer a sua importância a sua importância, mesmo pedagógica.
            A grande diferença quando em competições formalizadas, não está na utilização de regras, mas sim, na utilização da estandardização e codificação, numa perspectiva que se afasta dos valores desenvolvimento.
            Devemos promover uma competição formal de qualidade, para que possa ser encarada como um verdadeiro teste pessoal. A “ética” e a “competição” serão perfeitamente compatíveis quando não se toma como o fim de si mesmas. Perder a qualidade na promoção de fraudes competitivas desmoraliza os praticantes e desacredita a modalidade na opinião pública.




            O significado do “Ganhar”

            O ganhar para uma criança antes dos sete anos de idade não é fonte explícita de prazer, mas sim do jogo por jogo. A atividade em si não se resume ao “ganhar”. Existe um conjunto de incentivos que envolvem a criança, com a vontade de ir e de fazer aula; de se equipe para isso (o kimono); de participar nos jogos prescritos no ensinamento; de executar os ataques e as defesas nos combates com os outros (todo o esquema psicomotor dessas ações) de se relacionar com o adulto na aula, etc. Tudo implica uma articulação do sistema inconsciente com o consciente, que pode ser fonte de prazer e que impede a sua repetição, fazendo com que toda estas ações se incluam no próprio jogo.
            Mas depois dos sete anos, o ganhar torna-se fonte de prazer. A frustração do perder pode ser, em alguns casos, motivadora da repetição da atividade, tanto mais empenhada como mais frustrada, mas em outros casos, poderá levar à desistência.



            Estrutura do Jogo do combate

            Uma das suas características é que, por um lado, toda a responsabilidade de interpretação do jogo é individual e por outro, a situação aberta isto é, não depende apenas da própria intervenção mas de todo um diálogo corporal com o “outro”, sem apelar de forma demasiada complexa à cooperação.Trata-se de um autêntico comportamento de sociabilização adequado à segunda infância e uma introdução aos cooperativos próprios do período seguinte.
            Outra característica importante do jogo do combate, como vimos ao nos referirmos ao caráter biplanear dos jogos é a forma como é interpretado pelas crianças, ou seja, como um faz-de-conta da luta real. Esta atividade, base de expressões emocionais das mais diversas em vez de ser recalcada, deve ser trabalhada objetivamente. O líder com uma situação em que a “agressão” do ‘outro’ é trabalhada ludicamente, permite-se à vivência próxima de problemas sócio-afetivos diversos, como o da agressividade.
            O impulso lúdico que leva à atividade e ao ato do pensamento, permite o desenvolvimento individual. 
            Em perfeita coerência com a promoção de valores sociais atuais, conteúdo ético deve ser explicitamente trabalhado em todas as situações de jogo dual, sociabilizando nesse sentido, o impulso lúdico.
            A regra que consideramos como a mais importante do jogo de combate no Karatê é a do controle dos impactos transmitidos ao ‘adversário’ que é, na verdade o companheiro de jogo.
            Para a criança, não se deve tratar de “bater”, mas sim de tocar no seu companheiro de jogo, mostrando que existe explicitamente a diferença entre a realidade “bater” e a realidade “tocar” e, neste caso, é evidente o caráter biplanear, já que esta realidade pode ser assumida simbolicamente como aquela.
            Na verdade as situações de equilíbrio e desequilíbrio e as situações de imobilização servem para estimular e consolidam as estruturas responsáveis pelo tratamento energético, mecânico, informacional, psicológico e social da situação de luta, numa globalização possível.
            Os jogos de toque fundamentam os impactos, os de equilíbrio e desequilíbrio fundamentam as projeções e das respectivas quedas, os de imobilização fundamentam as imobilizações e preparam as chaves e os estrangulamentos.
            Em termos simples, a área lúdica do jogo/combate envolve o próprio indivíduo, numa dinâmica afetiva intelectual e volitiva, circunstancialmente envolve um oponente, o adversário e todo o espaço limitado por determinadas dimensões e conteúdo como as regras.
            A partir daí, desenvolve-se toda a estrutura do jogo. Manipulando as regras teremos uma distância característica. Devido a esta distância a leitura da situação é predominante visual ou tátil, trabalhando a atenção e concentração na sua movimentação face à do adversário, que lhe tenta tocar e evita  ser tocado, que o tenta desequilibrar e evita ser desequilibrado, que tenta o imobilizar e evita ser imobilizado. Já as manipulações ativa e intencional da distância, através da movimentação própria, através da pega e do contato, marcam o ritmo do jogo.
            Numa vertente mais especializada, podem vir a interessar, predominantemente, as situações de “toque”: característica do combate competitivo institucionalizado no Karatê.
            Temos então, as três dimensões que determinam este tipo de Desporto de Combate “Ma” pretende exprimir “distância”, quer no sentido espacial quer no temporal; e o verbo “ai” exprime um reencontro entre duas pessoas ou objetos.
            Assim, segundo o Maai exprimirá um movimento de aproximações e afastamento entre pessoa ou objeto, movimento entendido num sentido espaço-temporal, pelo que podemos compreender desde já, a intrínseca relação com a noção de hyoshi, integrar dois tipos de movimento: um em relação a si mesmo e outro em relação ao adversário. Se Maai tem a ver com a distância espaço-temporal relativo (eu-eu / eu-outro), Hyoshi tem a ver com o estado de modificações sucessivas que o Maai vai apresentando no desenrolar do jogo de combate dual.






            Intervenção Pedagógica

            Não é só no jogo de combate que reside o foco motivacional para a prática do Karatê. Ultrapassa-se a simples atividade combate, para integrar todo um conjunto de influências paralelas ao jogo de combate é a atividade Karatê no sentido amplo.
            Antes de tudo, o prazer lúdico deve ser componente predominante nos exercícios a propor. A aula deve promover um ambiente de autonomia e liberdade. Por outro lado, a implementação dos valores de respeito pelo outro deve ser promovida pela manipulação das recompensas afetivas e outras, que incentivem o controle técnico do toque no parceiro.
            A técnica emerge da manipulação das dimensões referidas. A leitura da situação vai se acentuando no essencial, por largar o acessório, o indivíduo vai encontrando a sua distância e o seu ritmo próprio.
            Só aos 11 ou 12 anos é que se passa de um pensamento concreto a um pensamento formal. Mas o pensamento concreto refere-se à “representação de ações possíveis” e o pensamento formal diz respeito à “representação de representação de ações possíveis” por meio de palavras ou símbolos.
            O desenvolvimento do raciocínio estratégico vai acontecendo à medida que a criança vai interiorizando as ações na relação eu/outro. Trata-se do pensamento concreto acompanhando da reversibilidade, que se torna possível a partir dos sete anos.
            A partir dos três anos de idade, a criança começa a orientar a sua atenção para o objeto, distinguindo-o do sujeito “eu”. Mas esta autoconsciência é acompanhada de um isolamento em relação a outras crianças. São as colisões que vão tendo com outros colegas que a levam a tomar consciência da personalidade do “outro”.
            É a partir dos quatro ou cinco anos que se começa a gerar esporadicamente, grupos duais, permanecendo
o egocentrismo, manifestado na falta de preocupação em ganhar, pois ganhar implica na perfeita consciência do outro. Só a intervenção do adulto na aula é que consegue manter a ordem do grupo.
            A gestão da iniciação ao Karatê aos cinco anos pode ter a tendência para o refúgio no reducionismo ontológico sem sentido concreto, ou seja, para uma iniciação baseada em exercícios em que a presença do “outro” não seja indispensável: Kihon e Kata. Estas práticas só têm significado com determinados “estado de espírito” que implicam descentralização do “eu” rumo ao “outro”. Não ter isto não é preparar as crianças para um jogo criativo, liberto e autônomo. Só com muito cuidado se deve utilizar os Esportes de Combate com crianças de cinco anos.
            Além disso, somente aos sete ou oito anos de idade é que se faz a aquisição matura dos movimentos fundamentais, tornando-se mais importante. A partir daí, há a consolidação do discurso motor próprio, pela modelação sócio-institucionalizada.
            Assim, se tivéssemos que encontrar uma idade mais adequada para se iniciara prática dos esportes de combate, optaríamos pelos seis ou sete anos. Mas, mais importante que isso é a preocupação evidente pela formação do Mestre da prática. Ele deve ser um especialista em crianças disso não temos dúvida.

sensei pedro melo

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